Joana Magalhães
   
(1982, Porto, PT)

É uma artista transdisciplinar baseada no Porto.
É co-diretora artística da Plataforma UMA, coletivo dedicado à criação, programação e curadoria.

                                  
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O Jardim


Work in progress

Palestras performativas
Casa Comum, Porto, Janeiro 2024
Jardim Botânico da UP, Maio 2024

Site-specific 
O jardim - Casa de Gigante,  Sertã, Outubro 2024

Laboratório de jardinagem artística
O Campo, co-produção Fogo Lento, Jan-Mai 2025










O JARDIM é uma investigação transdisciplinar baseada no conceito de jardim planetário de Gilles Clément que se concretiza num espetáculo homónimo: uma ficção tecno-futurista e uma peça transmédia construída em 3 atos inspirada no tríptico “O jardim das delícias terrenas”, de Hieronymus Bosch. Tendo por base o pensamento de Emanuele Coccia, Gilles Clément, Javier Maderuelo, Michel Foucault e Sophie Lewis, O JARDIM investiga a relação entre jardins e cooperação.




O jardim é uma investigação transdisciplinar desenvolvida em quatro momentos que investiga a performatividade dos jardins como heterotopias, ou seja, como lugares criados pelo homem que possibilitam a coexistência da diferença e de relações diferenciadas, sem abandonar o respeito pela alteridade nem promover a dominação e o controlo. Os 4 momentos são divididos em: 
1) pesquisa conceptual, plástica e musical, 
2) trabalho de campo, 
3) escrita, 
4) ensaios e estreia do espetáculo. 

Os materiais levantados durante a investigação servirão de base para a construção de um espetáculo homónimo, perpetuando uma lógica de trabalho transmedia - na transição de cada media, a performance, a dramaturgia e a experiência do espetador vão-se expandido, criando uma ficção com múltiplos layers.

Esta foi já uma lógica de criação explorada pela artista no seu último trabalho de investigação/criação, intitulado Miragem-discursos sobre o fim. 





A Ficção Tecno-Futurista
Um grupo de paleontólogas dissidentes dedica-se a preservar fósseis do período ediacarano com metodologias que vão para além das científicas. Inspiradas na harmonia dos jardins de Ediacara recriam, artificialmente e à sua semelhança, um protótipo tecno-biológico em grande escala destes jardins, lugares que acreditam ser de cura e de remediação de relações biológicas traumáticas. Ao mesmo tempo que protegem a primeira evidência da vida animal na terra tentam, em sororidade, reativar relações de cooperação das quais foram privadas. Por razões de conservação mantêm o jardim em segredo e abrem-no apenas uma vez por ano a um número reduzido de visitantes. Alimentam uma linha digital de apoio ao trauma em que, através de um interface digital, assumem a identidade de um fóssil. Acreditam poder remediar digitalmente uma relação biológica pela interação com matéria não-humana extinta.
Na transição de cada media, a performance, a dramaturgia e a experiência do espetador vão-se expandido, criando uma ficção com múltiplos layers. 









Contextualização

Este projeto propõe investigar o jardim como forma de reconexão metabólica do humano/artista com a natureza, fazendo com que este atue como co-criador do ambiente. Problematiza a influência da observação ativa da natureza na prática artística e na regeneração do imaginário e estabelece pressupostos para a criação de uma prática eco-artística. Tem como objetivos: 1) Problematizar a influência da observação da natureza na prática artística e na regeneração do imaginário; 2) Investigar a relação entre jardins e cooperação; 3) Investigar a performatividade dos jardins e traduzi-la em diversos media; 4) Desenvolver uma prática eco-artística aplicada às artes performativas. 

1) Jardim e criação
Para Javier Maderuelo (1977), citando John Hunt, o “jardim é a arte da paisagem mais sofisticada” pois não só aponta a necessária relação entre arte e natureza, como também deixa clara a união entre as forças naturais e a força criadora do artista. O jardim é uma “construção física e intelectual” (Maderuelo, 2009). Segundo o autor, o conceito de jardim é uma questão filosófica articulada com a recriação de um mundo paradisíaco que pode ser habitado pelo homem. O jardim é mundo real mas não o do quotidiano, e sim, o da fantasia, do sonho, da utopia que por intermédio da arte torna a realidade comum suportável. 

2) Jardim e ecologia
Gilles Clément, escritor e arquitecto paisagista, quando fala de jardins, fala sobre diversidade e a arte de criar uma ordem. Apresenta o jardim como “um modo de gestão, portanto de design”, uma realidade outra, criada artificialmente pelos humanos- a cidade para as plantas e os animais. No seu pensamento estão também patentes as ideias de “jardim da cooperação”, “jardim em movimento” e “jardim planetário”. Para Gilles Clément, o jardim em movimento não tem cercas ou limites, mas afinidades ecológicas. Ele propõe um continente único, associado à ideia de um lugar onde as regiões não mais seriam separadas pela geografia e sim pelos biomas que se sucederiam. Os residentes deste continente único seriam cidadãos-jardineiros. O cidadão- jardineiro planetário atuaria localmente e teria consciência do planeta; pensaria globalmente. Ou seja, participaria dos paradigmas do ecologismo. 

3) Jardim e cooperação interspécie e simbiogénese
Os jardins de Ediacara, pertencentes ao período Ediacarano, há cerca de 630 milhões de anos atrás, são conhecidos como o exemplo de um éden tranquilo em que milhares de espécies coabitavam em harmonia extraindo do meio o seu alimento e devolvendo-lhe matéria, em trocas recíprocas. É neste mesmo período que surgem os primeiros predadores no Éden e em que se inicia uma fase de canibalismo e competição pela sobrevivência que perdura até aos dias de hoje.?Que os conceitos de jardim e de cooperação sejam colocados em correlação reside na circunstância de ambos serem noções complexas: lugares que possibilitam a coexistência da diferença e de relações sociais diferenciadas sem abandonar o respeito pela alteridade nem promover a dominação e o controlo; lugares e espaços que funcionam em condições não hegemónicas; lugares de heterotopia. Segundo Foucault, a heterotopia tem o poder de justapor num só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são, em si próprios, incompatíveis e indica o exemplo do jardim como sendo a heterotopia mais antiga: “O jardim é a menor parcela do mundo e é também a totalidade do mundo. O jardim é, desde a mais longínqua Antiguidade, uma espécie de heterotopia feliz e universalizante” (Foucault, 2001) . 

4) Cooperação e competição - uma perspetiva ecológica

“The concept of “kith” denotes a form of dynamic relation between beings, a bond similar to “kin,” but one whose ground is knowledge, practice, and place, rather than race, descent, and identity.” - Sophie Lewis, Abolish the Family: A Manifesto for Care and Liberation (2022) 

Cooperação e competição tendem a ser vistas como estratégias antinómicas. No entanto, estudos recentes indicam que esta distinção é fluida, tratando-se de conceitos intimamente relacionados e que tendem a coexistir, ocupando igual relevância no que concerne à sobrevivência humana e não-humana. Recentemente surgiram, ainda, novas perspectivas relativamente à evolução da cooperação entre sujeitos do sexo feminino. Fox, Scelza, Silk e Kramer, num estudo publicado em 2022, frisam a necessidade de se incluir, na investigação dedicada aos estudos da cooperação, maior variabilidade de amostras, dado que a maior parte dos estudos experimentais foca-se na população masculina, ocidental e industrializada. Ainda no mesmo estudo avançam-se hipóteses que contrariam a crença de que a tendência para a cooperação é distinta entre géneros e de que a cooperação no sexo feminino advém exclusivamente de atividades relacionadas com a gestação e maternidade. A cooperação feminina tem uma importância fundamental ao longo da vida e nos mais variados contextos. 


Que relações podemos especular entre jardins e sororidade? Quando é que os “jardins de cooperação” se tornaram “jardins de competição”? Como podemos restaurar as feridas abertas do jardim de Ediacara e torná-lo apto a uma convivência pacífica? Importa saber que lugares são esses em que se pode fazer a paz. 

Tendo por base o pensamento de Javier Maderuelo, Gilles Clément , Michel Foucault e Sophie Lewis, investigamos a relação entre jardins e cooperação e formulamos a seguinte hipótese: 

Poderá um lugar desestabilizar e perturbar as perspectivas humanas sobre a sua condição e circunstância, abrindo espaços de curiosidade, questionamento e regeneração do imaginário?